Jantar Frankenstein e leis trabalhistas

Um dos piores efeitos da legislação trabalhista é o altíssimo índice de desemprego no Brasil. Não haveria, entretanto, um brasileiro sem oportunidade de trabalhar se as nossas leis e a jurisprudência associada tivessem um senso de realidade maior. Infelizmente nossos cidadãos mais humildes acabam dependendo de lixeiras, improvisações profissionais e dos traficantes para poderem trabalhar ou sobreviver na criminalidade.
Temos um dos maiores índices de reciclagem de lixo do mundo graças aos catadores, talvez por isso também uma taxa elevada de mortalidade infantil. Afinal não é proibido catar lixo sem qualquer proteção higiênica nem se impede os catadores de guardar o lixo dentro de seus barracos, junto a seus filhos e animais de estimação, “via de regra” pelo menos um cachorro tão mal de saúde quanto o dono.
Um indicador gritante da desinteligência trabalhista é a emigração gigantesca de jovens para os países mais tolerantes e, talvez por isso, com mais oportunidades de trabalho. Lá a maioria acaba ficando, sempre sonhando com o visto permanente e se constituindo numa preciosa fonte de divisas para aqueles que não os acompanharam nesta fuga do Brasil.
Algo, entretanto, que chama a atenção, mais ainda se compararmos o Brasil com países até mais rigorosos nas questões trabalhistas, é o trabalho dos garçons e as opções dos nossos “empresários dos bandejões” e da população em geral.
Estranhíssimo é ser convidado, por exemplo, para festas de luxo e nelas descobrirmos que o serviço de jantar é o famoso buffet. Resultado, cria-se um período nesses eventos com filas enormes de madames e seus companheiros segurando pratos, todos olhando o tamanho das bichas (afinal não estamos unificando a língua portuguesa?). A mesa distante, os convivas se aproximando lentamente, pois sempre algum retardado demora dez vezes mais do que o razoável para catar os pedaços que irá comer, e os “fileiros” pensando no que recolher entre os destroços para a refeição padrão refeitório de luxo. Nas mesas, onde as travessas os esperam, corre-se riscos de acidentes como escorregar em algum pedaço de frango ou ser espetado por um garfo. A volta é uma epopéia (com ou sem acento) assustadora, desviando-se de mesas e cadeiras, tendo atenção para não tropeçar em nada nem derramar o conteúdo precioso do prato no colo de alguma comensal já sentada a alguma mesa.
Quando finalmente pode-se admirar o resultado do assalto descobre-se que se misturou feijoada com o indefectível “molho madeira”, o bife com bacalhau, a maionese junto a alguma farofa, o arroz e o macarrão; parece operação plástica feita pelo SUS, um prato Frankenstein. A meia luz que caracteriza esses ambientes, afinal também é bom economizar na energia elétrica, empunha-se heroicamente os talheres e começa-se a ingerir a “gororoba” sem o prazer de testar sabores, que deveriam ser maravilhosos, se experimentados um a um em pratos adequados. Nada impediria que se voltasse ao buffet diversas vezes, coordenando-se a fome e o sabor, mas, e a coragem para repetir tudo aquilo de novo? E vai que acaba justamente o que a gente gosta mais? Isso sem falar da impressão dos amigos e outros mais atentos, todos pensando: “que glutão, provavelmente não come há tempo”.
Talvez para sempre lembrar os enormes contrastes sociais, no Brasil, em momentos solenes, misturam-se situações tão diversas, quanto o luxo das roupas, bebidas e jóias e a maneira de se servir o jantar ou almoço.
Pois é, o Brasil tem sindicatos e sindicatos.
Recentemente, em Fortaleza, tivemos que sair às pressas de um restaurante porque no final da bela e grande área onde existiam havia a apresentação de uma peça eletrônica, que diziam ser artística, afinal era parte de um desses projetos culturais que dão dinheiro para alguns privilegiados, em som tão alto que simplesmente era impossível ficar por ali. Conversando com os garçons, eles nos disseram que aquele tipo de tortura era rotina naquele local. Sugerimos que pleiteassem insalubridade e até indenização por lesões, se mais adiante percebessem o aparecimento da surdez. Perguntamos pelo sindicato, a resposta foi de que não servia para nada.
Aqui isso não é raro, principalmente quando se tem “música ao vivo” (Existe música ao morto?). Quando a banda furiosa começa a tocar o jeito é começar a berrar para poder conversar ou aderir e sair dançando as músicas com repertórios mais ou menos semelhantes aos de outros eventos, dá até para adivinhar o que vão tocar.
Vimos a reação enérgica dos nossos legisladores contra o “self service” em postos de combustíveis, por que não avaliam a situação dos nossos restaurantes e serviços similares? O pessoal da “Segurança no trabalho” não deveria fazer blitz?
Naturalmente a lei exigiria períodos de transição, de preparação dos profissionais, centenas de milhares provavelmente, mas talvez a partir de alguns anos pudéssemos ter um atendimento melhor em restaurantes, festas, casamentos, divórcios (Já estão festejando? Olha o filão!), eventos especiais etc.
Um bom jantar, uma refeição bem cuidada é fator de saúde, conforto e alegrias, principalmente quando comemoramos algo especial. O ágape profano não merece ser tão maltratado quanto é em nosso imenso Brasil, país carente de postos de trabalho e de serviços melhores. Para que possamos mostrar a quem nos visitar que temos competência para fazer direito algo tão elementar e importante quanto o é alimentar-se em noites e dias de festa, precisamos rever nossa legislação e analisar com mais profundidade o exercício da profissão “garçom”, vale o custo.
Acabar com a miséria no Brasil passa obrigatoriamente pela revisão das leis trabalhistas e a lógica de suas aplicações.

Cascaes
1.1.2009

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