Serviços estaduais ou municipais

A Constituição Federal de 1988 talvez tenha feito um equívoco monumental ao atribuir aos municípios responsabilidades que a maioria de nossas unidades não têm condições de exercer. O Brasil é um país gigantesco e muitos municípios, não raramente mal criados, carecem de tudo, principalmente de lideranças e profissionais em condições de gerenciar tecnicamente os serviços que são uma parte (note-se, uma fração) das atribuições constitucionais dos seus munícipes.
Na década de noventa do século vinte a moda era castigar as estatais, muitas delas poluídas por dezenas de anos sem vigilância adequada. O passado mal feito jogou o povo contra concessionárias importantes, viabilizando-se leis, decretos, lógicas de financiamento etc. para indução à privatização. Nesse jogo entre estatização e privatização pairou a demagogia, a falta de definições importantes e paralisações desastrosas.
Em Curitiba, por exemplo, vemos com perplexidade os impasses em torno dos serviços de saneamento básico, principalmente o de coleta e destinação do lixo. Há anos esse é um tema recorrente sem solução adequada. Podemos, por aí, perguntar: e nas cidades menores, menos cultas, mais pobres, o que estão fazendo?
Convênios, acordos, cooperação entre municípios é uma utopia no império do individualismo, da visão egoísta característica do ser humano, mais ainda sob a pressão da demagogia e da miopia de organizações que simplesmente defendem o que seus rebanhos gostam de ouvir.
Talvez nossos constituintes de 1988 tenham pretendido transferir para cá lógicas de outros países amadurecidos nesta questão, principalmente a capacidade de associação dos entes federados [(emenda 19/98) A União, os Estados e os Municípios disciplinarão, por meio de lei, os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos], na prática vemos impasses perigosos em atividades tão críticas quanto o saneamento básico, com certeza colocando em risco milhões de brasileiros.
Seria saudável uma rediscussão da capacidade dos municípios gerenciarem serviços essenciais, principalmente aqueles que de alguma maneira afetam a nação. Com certeza qualquer unidade, por menor que seja, assim como o cidadão comum, seja ele pobre ou rico, graças a instrumentos de ação que se desenvolvem em nosso país, poderá exercer com eficácia a fiscalização e o acionamento do Poder Judiciário via Ministérios Públicos, PROCONs, ONGs etc.
O Poder Concedente[i], hoje nas mãos dos municípios em água, esgoto e lixo, precisa ser transferido para os estados (na nossa opinião). Os estados podem mais na estruturação de empresas que não tomarão decisões simplesmente sob a ótica do lucro, mas do serviço prestado. Têm como redistribuir benefícios para as unidades carentes e obter recursos para financiamento. Reunindo demandas e recursos de dezenas ou centenas de municípios podem manter laboratórios, equipes de profissionais especializados, serviços técnicos de bom nível e atuar com maior responsabilidade., inclusive mediando interesses entre cidades.
Com certeza, partindo do que temos na Região Metropolitana de Curitiba, ficamos extremamente preocupados com os serviços de saneamento básico no Brasil inteiro, onde incertezas e interesses de toda espécie contaminam esforços para solução do que se transforma em pesadelo ambiental. Lixões abertos, exemplificando, são fábricas de gás metano e chorume[ii], o primeiro atingindo a famosa camada de ozônio e o seguindo poluindo violentamente lençóis freáticos, rios e lagos, lugares que precisam ser cuidados para garantia da saúde de nosso povo.

Cascaes
8.9.2009

[i] Poder Concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município em cuja competência esteja o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão (conforme definição da Lei nº 8.987/95).
[ii] Wikipédia – chorume é o líquido poluente, de cor escura e odor nauseante, originado de processos biológicos, químicos e físicos da decomposição de resíduos orgânicos. Esses processos, somados com a ação da água das chuvas, se encarregam de lixiviar compostos orgânicos presentes nos lixões para o meio ambiente.


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