Desconfiamos das explicações

O apagão e as explicações
Nunca tantos ofenderam tanto a Engenharia Elétrica quanto após o apagão de 11 de novembro. As declarações de “especialistas” devem ter confundido tremendamente aqueles que tiveram a infelicidade de ouvi-los. O açodamento tem uma explicação, a pressão da mídia que parece imaginar ser fácil afirmar de imediato e em detalhes o que aconteceu naquela noite fatídica. Não é e análises responsáveis demorarão a aparecer, até porquê apenas uma certeza podemos ter, aconteceram falhas enormes, foram diversas e o custo bilionário desse acidente operacional deverá ser motivo de inquéritos e ações indenizatórias.
Os indícios de falha aparecem nas imagens de cidades tão grandes quanto o Rio de Janeiro e São Paulo, observando-se que ficaram tempo absurdamente longo no escuro e sem qualquer fonte garantindo áreas estratégicas dessas cidades. Antes disso perguntamo-nos: por quê o ERAC (load shedding, proteção contra sobre carga por atuação de relés de freqüência) não atuou? Como Itaipu saiu inteira quando a falha era sobre parte do sistema de transmissão dedicado a essa usina? Se a região dos sistemas de transmissão de Itaipu estava sujeita a chuvas e trovoadas, por quê não reduziram a geração dessa usina e não colocaram outras operando, lembrando que na tarde daquele dia já havia acontecido problemas com uma das linhas de transmissão de Furnas? Quais foram as unidades de transmissão que saíram por atuação de proteção? Qual era o montante da “reserva girante” (capacidade disponível em usinas sincronizadas), “quente” e a capacidade de ilhamento de regiões? Não funcionaram por quê?
As análises com certeza poderão ser conclusivas, mostrando o que aconteceu. A dúvida é se não esconderão informações, se não farão “ajustes” para salvar a pele de algumas personalidades e empresas.
Infelizmente estamos vendo uma politização excessiva do Setor Elétrico, extremamente perigosa. Nomeações e decisões sob conveniências políticas só crescem, diminuindo a qualidade de um setor que já foi relativamente eficaz. Talvez para dificultar análises a ANEEL é mantida absurdamente sub dimensionada, inviabilizando sua função de fiscalização técnica das concessionárias. Essas, por sua vez, multiplicam-se absurdamente, dentro de lógicas estabelecidas pela legislação e orientação mercantilista das concessões. Empresas privadas e públicas priorizam custos e dão indicações de que esqueceram a qualidade do serviço.
O discurso da redução de tarifas nem sempre é responsável, principalmente quando novos encargos se abatem sobre o Setor Elétrico, destacando-se as questões ambientais, uma novidade extremamente onerosa e imprevisível.
O sistema energético brasileiro é exemplar. Temos benefícios energéticos graças à interligação da grande maioria de nossas usinas. Isso exigiu a construção de uma imensa malha de transmissão e transformação, que nos permite otimizar essas usinas, algo absolutamente necessário num planeta que precisa aproveitar ao máximo as fontes renováveis, que existem onde a Natureza construiu cachoeiras e colocou ventos fortes e permanentes (usinas eólicas começando a operar). Um sistema dessa dimensão está sujeito a problemas de estabilidade, surtos de manobra, exposição a raios, ventos fortes etc. e a erros de manobra, de lógica, falhas de equipamentos de controle e proteção, sabotagens e outros tipos de acidentes e desinteligências. Até um simples gambá poderá causar um tremendo estrago.
Tivemos o apagão, nada explica sua extensão, a demora absurda de recomposição. Nosso sistema interligado conecta principalmente usinas hidroelétricas, máquinas que podem ser religadas sem restrição, ao contrário das termoelétricas, bem mais frágeis e complexas, especialmente as termonucleares, que exigem dezenas de horas para retornarem à operação normal após desligamentos intempestivos. Os cuidados na recomposição do sistema são restritivos (por exemplo auto excitação das máquinas se ligadas a grandes linhas sem carga) mas perfeitamente equacionáveis. A malha gigantesca é um fator de atraso, sem justificar, contudo, a reenergização lentíssima de áreas estratégicas. Afinal, para que serviu todo o estudo e esforço para instalação de usinas emergenciais? Dispensaram-nas?
A lição bilionária, já custou isso pelo estrago feito, precisará ser aproveitada ao máximo. O fundamental é que saiamos dessa com lições bem aprendidas para que o povo brasileiro se sinta seguro e confortado por ser obrigado a pagar tarifas tão altas e, sobre elas, impostos, taxas, encargos e outros custos nem sempre razoáveis.
Concluindo, para que tenhamos um julgamento com alguma credibilidade será fundamental a atuação do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos. Desconfiamos da sinceridade dos executivos do Setor Elétrico.
Cascaes
17.11.2009

Comentários

  1. Caro Cascaes,

    Meu nome e´ Antonio Ferrari Borba e fui Gerente de Engenharia e Obras da Gerdau-Guaira e tivemos muito contato com voces na Copel quando ainda na ativa, na decada de 1990/2000 (Ciscato e equipe). Parabens pelo teu artigo sobre o apagao! O mesmo esta´ "justo e perfeito"!!! Reflete muito bem a opiniao de uma pessoa que tem o conhecimento tecnico do assunto e que busca a verdade dos fatos.

    Um grande abraço,

    ABorba
    a.f.borba@uol.com.br

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