Excesso de Poder da União

União demais

O Brasil é o resultado da visão imperial que fazia de terras e nações uma propriedade de famílias de “sangue azul”. Os nossos imperadores usaram e abusaram de seus poderes. A vida e pesadelos de Irineu Evangelista de Sousa, nosso Visconde de Mauá, que o diga.

A proclamação da República e os conflitos que se seguiram levaram ao fortalecimento do poder central, fato extremado durante o período Vargas e mais uma vez no regime militar que se instalou em 1964. Os constituintes de 1988 reafirmaram a centralização, deixando os estados brasileiros com pouca autonomia e carentes de decisões que têm sido tomadas, muitas vezes, contrariando interesses diversos e naturais de frações do povo brasileiro.

A submissão à União se reflete na péssima distribuição fiscal, que deixa todos os estados e municípios brasileiros reféns de conchavos brasilienses, algo que deveria ser revertido para o bem de todos e maior responsabilidade de seus componentes.

A exploração dos recursos naturais é outro fator de conflito, agora em destaque graças ao “Pré-Sal”. Com certeza em 2010 teremos negociações duras no Congresso Nacional, pois agora a proposta da Presidência fere interesses de estados poderosos. Será extremamente interessante observar até onde a euforia da Copa do Mundo, as delícias das praias e do carnaval conseguirão distrair lideranças e povo enquanto o Governo Federal trama e talvez execute uma política de apropriação do famoso ouro negro.

Temos outras questões que mereceriam destaque, entre elas as concessões de hidroelétricas. Mais uma vez nossos constituintes optaram pela centralização. Assim o potencial energético existente e distribuído entre os estados, subordinado a conveniências da União, obedece a regras e decretos dos ministros de plantão, quando muito após leis aprovadas em meio a discussões em que prevalecem os interesses de mega empresas de produção e consumo de energia.

A renovação das concessões de usinas mais antigas deve estar sendo motivo de preocupação dos nossos senadores, afinal o Paraná, por exemplo, orgulha-se das grandes hidroelétricas que construiu e mantém em seu território. Seria algo absurdo vermos uma agência desestruturada relicitar direitos de exploração, quando sabemos que essa repartição pública mal consegue ler os processos que administra.

Qual é o padrão de vigilância mantido pela ANEEL? Terão, eventuais novas concessionárias vencedoras de leilões das usinas em final de direitos de exploração, condições e interesse de cuidar das barragens gigantescas existentes no Paraná com o mesmo capricho que a Copel o faz? Será que nos sentiremos mais seguros vendo empresas ganhando disputas no limite do razoável, imaginando se investirão o necessário e suficiente para garantir segurança das hidroelétricas?
Podemos estar com inúmeras bombas hidráulicas abaixo do nível de segurança desejável. Não devemos esquecer que o número de pequenas, médias e grandes hidroelétricas (com suas barragens) aumenta sem parar, mas a ANEEL continua flagrantemente desestruturada.

Temos outras situações de desconforto. Leis federais obrigam os estados a licitar concessões na área de saneamento básico, desmontando passo a passo as grandes empresas estatais criadas há três ou quatro décadas, empresas de amplitude estadual que podiam criar estratégias de saneamento regionais. Agora tudo se restringe às fronteiras dos municípios, levando a impasses absurdos, como vemos acontecer com o lixo da Região Metropolitana de Curitiba.

De cima para baixo vamos percebendo o poder de império da União até nos serviços de transporte coletivo urbano. Curitiba deverá licitar concessões quando em 1987 tinha, por decreto municipal (ato possível até aquele ano), estabelecido a URBS como a única concessionária, deixando as operadoras existentes na condição de permissionárias. Agora teremos licitação onerosa, o serviço será um negócio, espaços de exploração (três) rigidamente estabelecidos, custos adicionais (adivinhem quem pagará) e novos gerentes do transporte coletivo urbano de Curitiba, sabe-se lá de onde virão.

Não seria tempo de uma revisão do pacto federativo? Precisamos de mais racionalidade e respeito aos estados e municípios. Tudo o que temos visto não justificou, até agora, as esperanças de um Brasil melhor, sonho dos nossos constituintes de 1988.

Cascaes
31.12.2009

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