Tortura das Torturas

A tortura das torturas


O livro (1) “História da Cidadania” (Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky) procura relatar e comentar a evolução do conceito e do exercício da cidadania ao longo dos tempos. O desafio é monumental, merecendo outras obras com pontos de vista diversos. Afinal ninguém é imune à educação que recebeu, o que tinge de coloridos alternativos trabalhos semelhantes, até mesmo entre amigos e colegas de muitos anos. De nossa história brasileira vale, por exemplo, complementar conhecimentos estudando o “Quase-cidadão” (2), obra organizada por Olívia Maria Gomes da Cunha e Flávio dos Santos, sendo, contudo, nessa linha, importantíssimo ler também “Uma Gota de Sangue” (3) de Demétrio Magnoli para entendermos a lógica perversa, em todos os sentidos, que condenou tantos brasileiros à escravidão, viabilizando uma equação econômica e social que nos afeta profundamente até hoje.

A história da cidadania tem momentos espetaculares como o filme (4) “A Marselhesa” sobre a revolução francesa e, paralelamente a obra “O Poder, os gênios invisíveis da cidade” (4), livro esgotado que um querido irmão me deu tão oportunamente, descobrindo nesse livro o medo que governa os grandes e pequenos líderes na luta pelo comando de suas tropas e rebanhos. Nisso tudo acontecem as piores perversões brilhantemente relatadas por Hannah Arendt em “Origens do Totalitarismo” (5), tratando de uma fase tenebrosa da história da humanidade.

Podemos, diante de tudo isso e muito mais, imaginar o que seria o ser humano, o que move suas decisões. Animal gregário, mas seletivo em função de seus hormônios e necessidades diversas, age de forma santificada ou demoníaca em função das oportunidades, educação e saúde, numa seqüência que ao final de sua vida o terá marcado como eleito para os céus ou infernos para todo o sempre.

Estamos começando o período eleitoral. O noticiário vai pingando notícias sobre os candidatos e partidos políticos. Paralelamente, principalmente agora com esse fórum universal que se tornou a internet, podemos conhecer detalhes de pessoas ocultas ou identificadas sobre as opções que vão assumindo. Ótimo! Democracia com liberdade é isso.

Vemos ainda o ranço de cenários de guerra ideológica. Principalmente as gerações mais antigas reagem a hipóteses de candidaturas, que não aprovam, com ardor semelhante ao que vemos em torcidas organizadas, alguns mostrando sentimentos de ódio ou ternura, tudo dependendo dos nomes em evidência. A mediocridade ou genialidade dos críticos é rotina, desde que a humanidade começou a registrar seus pensamentos e ações ela vem mostrando a capacidade selvagem de mútua destruição, fato que conteve a população talvez mais do que as epidemias e o enfrentamento de feras, mosquitos e vermes. Talvez nossos netos dos netos algum dia superem a dominação emocional e se mostrem realmente racionais, estamos longe disso.

Precisamos de justiça social, de respeito ao ser humano em geral. Isso significa a necessidade de uma nova proposta comportamental, pois, por tudo o que vimos, os códigos e éticas expressam mais a idolatria e visões extraterrenas do que propriamente a humanidade.

Um tema em foco na viabilização da sociedade futura é o combate à corrupção. Parece estranho tratar de corrupção quando escrevíamos acima sobre filosofia e cidadania, é, contudo, mais do que urgente em nosso país descobrirmos instrumentos de utilização dos direitos inerentes a um estado cidadão de forma positiva, fraterna, justa, eficaz na construção do futuro. Isso, no Brasil, cobra ações urgentíssimas para inibição da esperteza que domina o comportamento de muitos patrícios. A cidadania irresponsável, marota, esperta é um pesadelo assim como a falta de liberdade, a dominação arrogante dos donos da verdade.

Cidadania, Liberdade, Democracia, Justiça, Fraternidade, Igualdade, escrevendo com iniciais em maiúscula, são condições de vida e governo que podem desmoronar no Brasil graças à corrupção. Nosso povo já se questiona sobre a validade da Democracia...

No Congresso Nacional existe uma tremenda produção de discursos e leis nem sempre necessárias. Agora, com a iniciativa do Presidente Lula, o Congresso recebe um documento que pode ser aprimorado no combate à imoralidade, que domina todas as esferas de governo. Perplexos, ouvimos há pouco tempo manifestações do próprio Presidente defendendo bandidos, talvez seja agora o momento do “mea culpa”, que poderá ser transformado em movimento penitente dos congressistas a favor do povo brasileiro. O custo da malversação de impostos, taxas, encargos e a formação de espaços privilegiados de roubo legal (concessões de serviços públicos) do dinheiro do povo é imensurável, após tantas armações e construções neoliberais ao gosto dos grandes corruptores, sempre intocáveis.

Do livro “História da Cidadania” (1) vale a leitura de seu último capítulo, um conto impressionante de Moacyr Scliar, “O nascimento de um cidadão”. Nosso povo precisa nascer, não morrer simplesmente para, agonizando, descobrir que é cidadão. Nossa esperança é a Democracia e o aproveitamento máximo de momentos de inspiração como parece acontecer agora na Presidência da República.

Ainda temos esperanças.

O tema tortura veio a debate com a discussão em torno da anistia, mais do que necessária quando promulgada.

Com certeza nosso povo sofre a tortura brutal, brutalíssima dos efeitos de lógicas neoliberais aplicadas impiedosamente à nossa economia, contra a nação brasileira e a serviço de imensos grupos econômicos internacionais. Para a plenitude de sua cidadania precisa fugir dos grilhões do medo, que não atinge só os poderosos (medo de perder seus privilégios), mas, principalmente, qualquer pai ou mãe de família que precise abrigar, educar e sustentar seus filhos. Se no Brasil conseguirmos reduzir a corrupção, estaremos salvando da miséria milhões de brasileiros, salvando-os da tortura de viver em um país rico por Natureza, pobre de inteligências. Dinheiro não falta, é só usá-lo melhor.

Existe tortura pior do que ver os filhos passando fome, doentes, espalhados pelas favelas, com medo do teto desabar a qualquer chuva quando em casa juntos a seus pais? Pior ainda, dominados pelas gangues de traficantes? Essa é a tortura que devemos combater, extirpar de nosso país com o máximo de urgência. Para isso a redução da corrupção é condição “sine qua non” para a viabilização de um Brasil justo e feliz.



Cascaes

9.2.2010









1. Jaime Pinsky, Carla Bassanezi Pinsky. História da Cidadania. São Paulo : Editora Contexto, 2008. ISBN 85-7244-217-0.

2. Olívia Maria Gomes da Cunha, Flávio dos Santos Gomes, [comp.]. Quase-cidadão. Rio de Janeiro : FGV, 2007. ISBN 978-85-225-0590-6.

3. Magnoli, Demétrio. Uma Gota de Sangue. São Paulo : Contexto, 2009. ISBN 978-85-7244-444-6.

4. Renoir, Jean. A Marselhesa, Uma crônica da Revolução Francesa. 1937.

5. Ferrero, Guglielmo. O Poder, Os gênios invisíveis da cidade. [trad.] Carlos Domingues. Rio de Janeiro : Irmãos Pongetti - Editores, 1945.

6. Arendt, Hannah. Origens do Totalitarismo. [trad.] Roberto Raposo. São Paulo : Editora Schwarcz Ltda., 2007. ISBN 978-85-7164-065-8.

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