A inflação e o Brasil, esperança com as eleições


Nascemos e crescemos ouvindo e lendo sobre a inflação. As revistas de abrangência nacional falavam muito do preço dos produtos que as grandes cidades consumiam, raramente tratavam do custo de produção. O Brasil inteiro lia o Cruzeiro... e a Rádio Nacional completava o noticiário, ou seja, o preço da feira no Rio de Janeiro comandava o noticiário do arroz, batata, nabo, carne, feijão e outras coisas.
Em Blumenau, minha mãe ia para a feira sem falar em inflação, simplesmente não comprava o que considerava ter custos acima do razoável. O problema era que os cariocas, onde as revistas eram impressas e os donos das revistas moravam, queriam comer laranja, batata, arroz, feijão etc. com o mesmo preço durante o ano inteiro, aí o assunto virava manchete. Mas a inflação veio, aos poucos ela começou a assustar. Tínhamos uma superestrutura ineficaz, funcionários cujos paletós viraram até comédia do Oscarito e as teses criadas pelas superpotências, jogando uma parte do povo contra a outra e criando dificuldades entre produtores e trabalhadores.
Na Loja do meu pai ele dizia (início dos anos sessenta), que valia mais a pena não vender do que atender o cliente e ter de comprar por um preço maior. Inflação e demagogia desenfreada criaram o movimento (golpe ou revolução, dependendo do ponto de vista) de 1964. A corrupção fazia história e tinha governador que, quando candidato a presidente da República, chegou a ter como lema “rouba, mas faz”. Brasília foi construída ao contrário, primeiro os tijolos (de avião) para os palácios, depois as estradas.
Também soubemos de que maneira o Brasil desperdiçou as reservas cambiais feitas durante a Segunda Guerra Mundial, pelo menos descobrimos brinquedos e produtos de plástico... Recebemos armamento que sobrou e aviões usados para nossas empresas.
O período JK merece estudos especiais. Compramos porta aviões (1956), abandonamos as ferrovias, abraçamos o rodoviarismo, começamos a gastar muito dinheiro com diesel e gasolina, sonhávamos com bondes e São Paulo (1968, fundação da Companhia do Metropolitano de São Paulo) e Rio de Janeiro (Criada em 14 de novembro de 1968 pela Lei Estadual nº 1736, a Companhia do Metropolitano  do Rio de Janeiro - METRÔ ) começavam a fazer seus metrôs. Os gaúchos ganharam o trenzinho deles e o Ministro da Fazenda ficava feliz com os contratos de importação, traziam divisas de todo tipo, menos as necessárias.
A corrupção ganhou força, as histórias ou estórias circulavam pelo Brasil. Do suicídio de Vargas por atos ilícitos de um auxiliar (1954) às carretas que entravam e saíam em usinas até no Paraná (assim ouvi dizer por um motorista da época), cobrando-se pela mesma carga tantas vezes quanto davam entrada no canteiro, preços de cartel de empreiteiras e de indústrias privilegiadas pelo jogo político (décadas de sessenta e setenta), mergulhamos num vórtice que parecia invencível.
Tratando de um período não muito distante, a década de setenta, tínhamos a força dos militares para conter abusos comerciais, mas naquela época a tragédia se instalou no Brasil com a avaliação errada das crises do petróleo e do mercado internacional. Elas vieram para ficar e o Brasil se endividou para garantir o combustível que importava e pagar programas equivocados, como o foi o acordo Brasil-Alemanha na área nuclear. Compramos algo que a Alemanha não dominava. Projetos não faltavam, mas eram pautados por conveniências impublicáveis ou pela ingenuidade dos dirigentes.
Pior ainda, diversas obras gigantescas aconteciam simultaneamente. A eletrificação da Ferrovia do Aço foi um desastre assim como a Transamazônica. Fazer uma rodovia em paralelo com a maior hidrovia do mundo foi um equívoco lamentável. A Floresta venceu.
Construir as hidrelétricas de Tucuruí, Itaipu, Foz do Areia, São Simão e outras além do Programa Nuclear ao mesmo tempo afundaram o Brasil em dívidas impagáveis. O excesso de energia elétrica acabou sendo tão grande que nos anos oitenta ganhamos o programa de Eletrotermia, que só faltava dizer, “gastem energia elétrica, por favor”. Apesar de serem obras estruturais, não criavam produção exportável no tempo e volume certos e custaram muito mais do que o orçamento inicial sugeria (rotina que se mantém). Ficamos sem divisas para pagar nossas contas e a moratória tornou-se inevitável.
Do mundo externo não tivemos complacência. O Brasil nunca foi prioridade para eles. Perdemos até no bloqueio a Cuba, o preço do açúcar desabou com os incentivos ao adoçante de beterraba... O álcool virou esperança e as cotas persistem. Recorremos à OMC, não temos coragem para impor nossos direitos (nem aviões de guerra, bomba atômica, foguetes, indústria bélica, tecnologia, tropas, porta aviões etc.).
O Brasil quebrou para valer na década de oitenta e assim o mercado interno virou uma festa para nossas empresas privadas, que forneciam o que precisávamos, não tinham competidores.
Pior ainda, talvez o mais trágico: a invenção da correção monetária.
Em Engenharia estudamos, ensaiamos, analisamos em detalhes os circuitos de controle. Sabemos que malhas dessa espécie precisam de realimentação negativa forte, pois, do contrário, tornam-se instáveis. Correção monetária equivale a, dirigindo um carro, quando ele se desviar para um lado, em vez de trazê-lo de volta, mudarmos o sentido da estrada... pode?
Aprendemos a calcular percentuais que afetavam nossos salários, poupanças e até as contas correntes em bancos. Calcular custos, tarifas, orçamentos virou um tremendo exercício aritmético (felizmente naquela época começaram a aparecer com força os computadores) e de coleta de dados confiáveis.
Usar o dinheiro sem trabalhar era uma arte para quem desprezava o serviço real.
A partir de 1987, analisando um gráfico do CREA-PR, vimos os registros de anotações técnicas desabarem, ou seja, o declínio das ARTs demonstrava um cenário assustador. Foram criadas as frentes de trabalho. Gerar postos de trabalho (ainda que temporários)  era a prioridade dos governos, que viam o povo caindo na indigência. Os catadores de lixo se multiplicaram. As favelas passaram ao nosso cotidiano. Ganhamos até rodovia com pedra irregular. Perdemos tempo mais do que precioso para ajustar cidades, que começaram a se agigantar sem condições de oferecer a infraestrutura necessária. No Paraná o drama ganhou formas horripilantes com a erradicação do café.
Precisávamos exportar, mas carecíamos de bons portos, ferrovias, estradas, armazéns etc., pois, felizmente, a parte do Brasil que não falhava era a agroindústria, sempre penalizada pela falta de infraestrutura. Com a EMBRAPA, criada na década de setenta (1973), aprimoramos a agricultura, vencemos barreiras que pareciam intransponíveis. A história da agroindústria no Brasil deve muito à EMBRAPA assim como ao Banco do Brasil, o balcão dos empréstimos inevitáveis numa atividade alto risco. A expansão da fronteira agrícola absorveu excedentes humanos, criou empresários, trouxe-nos (e continua trazendo) divisas extremamente importantes.
As décadas perdidas criaram o câncer do tráfico de drogas. Os estudantes presos ensinaram os bandidos a se organizarem, assim nasceu o Comando Vermelho (1979). Liberalidades de fronteira e de políticos consolidaram o crime organizado.
Voltemos à crise financeira (e econômica, naquelas condições) antes do Plano Real.
A nossa moeda era desvalorizada diariamente, acrescentando uma pressão violenta à manutenção da inflação. Era um cenário caótico. Felizmente esse gigantesco país começou a vender mais do que comprava, apesar das barreiras protecionistas das grandes potências. Nossas contas externas foram ganhando força, apoiadas, inclusive, em leis altamente discutíveis, consideradas temporárias, tais como a Lei Kandir (1996).
O governo federal ensaiou uma série de medidas, desde o Plano Cruzado (1986), Collor (1990) até, finalmente, o Plano Real (1994), quando, em momento oportuno, uma equipe de primeira linha, criada e apoiada irrestritamente pelo presidente Itamar Franco, conseguiu estancar a inflação, acabando, ainda que parcialmente, com a correção monetária e abrindo nossas fronteiras para a competição internacional. Isso só foi possível porque durante anos exportamos de qualquer jeito e seguramos as despesas externas com arreios, freios e outras espécies de travas.
O Plano Real não foi tão perfeito quanto desejável, principalmente no controle do câmbio. A prioridade era segurar a inflação. A moeda criada (o Real) teve apoio para sustentar um valor excessivo, assim quebramos inúmeras indústrias em nosso Brasil varonil. A farra da importação de automóveis e artigos de luxo quase moeu o Brasil mais uma vez e, vamos repetir (teima de blumenauense) fez um estrago monumental em pólos de indústrias locais, a partir do Plano Real, com o Brasil competindo com a qualidade e os preços estrangeiros de países onde o trabalho escravo, irrestrito e/ou o custo financeiro é desprezível  ainda é normal.
Ganhamos, pois, a competição sadia e a desumana, a de luxo e a de caprichos, a democrática e a das ditaduras “socialistas”, as escravocratas, as discriminatórias (países, onde, por exemplo, o trabalho da mulher vale muito pouco), preocupando nossas lideranças civis mais lúcidas que, escoladas pelas décadas perdidas, começaram a cuidar melhor do Brasil.
As autoridades, infelizmente, estavam gostando da mídia criada pela “moeda forte”, entre o Plano Real e 2001. As importações não assustavam muito, mas erraram quando se esqueceram da necessidade de energia elétrica. O apagão de 2001 matou carreiras políticas... Os erros não faltaram, assim voltamos à beira do precipício, obrigando-nos a recorrer ao FMI, perdendo o resto de nossa autonomia.
Ou seja, em 2001 o Brasil deixou, definitivamente, de ser independente e soberano.
Agora dizem que o Brasil está bem. Já emprestamos dinheiro até para o Haiti e o FMI.
Afinal economistas não costumam visitar favelas, vêem isso romanticamente em filmes e novelas ou com raiva quando sentem riscos à própria vida, imaginando que favela é coisa de polícia.
Não atingimos maturidade necessária e suficiente. Se antes a inflação assustava, agora são os juros absurdos e a desigualdade social, os IDHs, os Desafios do Milênio, a falta de moradias, riscos de epidemias e endemias que não acabam nunca. Nossos políticos coloram entre eles e o povo uma coleção de repartições públicas e estatais cheias de tecnocratas. Para distrair as elites temos o medo do fim do mundo, o CO2, a violência e o lixo no quintal do vizinho, melhor ainda, ganhamos a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas, desta maneira o povão ficará feliz.
Ou seja, nossas neuroses partem de filmes e reportagens importados e da eterna omissão de quem poderia corrigir algo, simplesmente agindo de acordo com as inúmeras leis criadas a partir da “redemocratização”.
Carnaval, circo e mídia distraem a população, isso é perigoso. Projetos gigantescos fazem a festa das empreiteiras e indústrias (e dinheiro para o caixa 2, 3 e 4). Precisamos ter muito cuidado com as importações, especialmente, quando maciças, caras e sofisticadas; têm custos de manutenção elevados e geram submissões preocupantes.
Estamos em período eleitoral, vemos, preocupados, os PACs e propostas de gastos. Não ouvimos discussões sobre prioridades. Parece que o dinheiro do contribuinte existe para tudo.
O que realmente o Brasil precisa fazer para não cair em outra armadilha?
Aumentar juros é uma solução simplória de gente que só pensa neles. Precisamos, acima de tudo, imaginar, por exemplo, quem e como pagaremos o trem de alta velocidade (descendo a serra, subindo será como?) entre Campinas e Rio de Janeiro, um trem de média velocidade não seria suficiente (a diferença de custo é enorme) e preparado para levar cargas, exportações? Podemos aplaudir com entusiasmo algumas obras e é bom ver o Presidente insistir nas grandes hidrelétricas planejadas exaustivamente. É utopia imaginar viver sem elas (que felizmente ainda temos disponíveis) a menos que queiramos entupir o Brasil de aerogeradores e outras usinas mais caras (e subsidiadas). Se o planeta está esquentando, muita gente no Brasil vai precisar de ar condicionado (e energia elétrica de baixo custo), por exemplo. Somos um país tropical.
Finalmente teremos a duplicação que falta na BR 116 e o governo investe em escolas técnicas, ótimo. Pelo menos em Santa Catarina ganharemos diversos portos inteligentes. O ensino de primeiro grau ganha destaque e as creches são parte das listas permanentes de nosso povo mais humilde.
No Paraná falam em ampliar o aeroporto de São José dos Pinhais, ou seja, os dias da farra de transportar mercadorias em caminhões para São Paulo, gerando trabalho e impostos por lá, talvez estejam acabando. O sul precisa de competitividade para vender seus produtos no resto do Brasil e exportar.
O Pré-sal parece garantir muita coisa e com o pré ou sem ele a Petrobras, nossa grande e bela estatal, faz o que as empresas privadas se negavam a realizar em tempos idos.
Nossas Forças Armadas começam a ter quartéis onde são necessários e o reequipamento delas é fundamental, em política externa não existe argumento melhor do que a força.
E a inflação? Temos muitas formas de combatê-la. Os bancos estatais, baixando seus próprios juros por determinação presidencial, deram o exemplo e pressionaram a banca privada, podem reduzir muito mais, ou seja, na hora que o Governo quiser teremos juros palatáveis. Os impostos, encargos, taxas, carimbos e a burocracia sufocante desse país cartorial precisam ser racionalizados, diminuir. Se queremos competitividade e exportações, vamos facilitar a criação de empresas e empresários, e não martirizá-los com loucuras e achaques.
Conter a inflação? Nossos vizinhos sonham exportar para o Brasil, vamos facilitar a competição? E teremos a inflação justa, necessária, afinal a Argentina, entre os parceiros sulistas, pratica salários altos. O povo mais humilde, que sempre trabalhou a qualquer preço, agora pode sonhar com salários melhores; se todos trabalharem e tiverem salários justos certamente a inflação virá, inflação solidária, inevitável. Henry Ford que o diga, onde estiver.
Nesse período de euforia com a desgraça de outros países, a descoberta de petróleo além do sucesso da exportações e os índices de aceitação do Presidente Lula, não podemos esquecer a necessidade de sanidade mental, de apoiar os projetos realmente necessários, da importância das contas internas e externas, acima de tudo.
É tempo de eleições. Lamentavelmente os partidos trabalham para que tenhamos poucas opções. Mesmo assim, devemos votar. Se não podemos escolher bons candidatos, votemos nos menos ruins, é o mínimo que podemos fazer em outubro deste ano.
O povo brasileiro já pagou muitíssimo caro por seus erros, que o Grande Arquiteto tenha piedade de nós.

Cascaes
25.4.2010


Comentários

  1. Pois é, caro Cascaes, mas já está aí o FMI "aconselhando" a pisar no freio porque a inflação brasileira está voltando. Mas sua idéia, falando dos tempos "antigos", é muito boa: porque não temos um site, ou um quadro patrocinado pelo governo nas rádios e TVs, informando onde os preços são mais baratos naquela cidade e quais produtos não comprar porque estão muito caros?
    Funcionaria?
    Um abraço de seu leitor assíduo.
    Francisco Pucci.

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