Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes

Pucci
mostrar detalhes 13:07 (3 horas atrás)
J’ACUSE !!!

Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice. (Émile Zola)

(Eu acuso !)

(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!).

A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.

O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.

Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática.

No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...

E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”

Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente...

Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.

Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;

EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;

EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.

Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.

A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”

Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.

Igor Pantuzza Wildmann

Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

OU

Comentários

  1. Sinto-me fracassada de fazer parte de um sistema como o educacional no Brasil hoje. São milhares de professores que correm riscos de vida todos os dias, sem entrar em detalhes sobre aqueles que se afastam da profissão por tratamento psiquiatico, por não aguentarem mais sua rotina frustrante e aterrorizante. Eu lamento muito, muito mesmo! Lamento mais ainda, por não ter nada mais a dizer além de: "Eu lamento muito" Estou triste com tudo isso. Sou professora a 15 anos e graças a Deus nunca me deparei com circunstâncias como essa, porém, já estive muito próxima. Abraços a todos!!

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  2. Prezado João Carlos Cascaes,

    Apesar de pouco me manifestar sobre este tipo de assunto, desta vez me sinto no dever de dizer algo sobre os fatos citados.
    Concordo com relação a tudo que é citado sobre o desrespeito à autoridade e tudo o mais que é dito sobre tais descaminhos (bandido-vítima, aluno-cliente, etc.), nem sou a favor do que o aluno fez com o Professor Kássio, porém, assim como tais citações apontam para um sentido, o professor-doutor-advogado Igor aponta exatamente para o sentido diametralmente oposto, que durante anos permitiu que as autoridades abusassem da posição que ocupavam.
    Poderia citar um monte de exemplos, mas para ficar apenas no meio pedagógico, vou lembrar apenas daqueles professores que tem fama de serem reprovadores e se orgulham de tal feito, em especial os que ensinam disciplinas que pouco ou nada tem a ver com o objetivo do curso ministrado e cujas disciplinas já deveriam ter sido excluídas ou remodeladas na grade de ensino.
    Um exemplo? Curso de graduação de Bacharelado em Informática da UERJ que possui Cálculo Diferencial e Integral I, II, III e IV em sua grade como disciplinas obrigatórias. Utilidade prática disso no mercado de trabalho: 0,01%. Somente se o aluno for trabalhar na elaboração de Modelos de Computação Gráfica (CG), mercado muito restrito. Se as mesmas fossem eletivas, somente quem quisesse trabalhar com CG iria se inscriver nas mesmas. Aliás, só para constar: nem o curso de engenharia exige todas estas disciplinas. E se o professor for mau-caráter, ao encontrar alunos desmotivados (afinal, tais disciplinas só servem para obter o diploma, nunca mais serão sequer consultadas), se aproveita da situação para impor o terror. E já que o autor do texto original fez diversas citações, vou fazer a minha: "O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente." (Lorde Acton).
    Há também uma parte obscura do texto: como era o relacionamento do professor Kássio com os alunos? Será que ele era realmente um bom professor na visão dos alunos? Ou será que era mais um absolutista-terrorista em sala de aula? No texto, nós lemos o desabafo, a opinião e a visão do autor sobre parte dos fatos. Afinal de contas, o professor Kássio poderia até ser um excelente colega de trabalho, relação horizontal, de iguais, mas como ele era como professor, relação vertical, de superior-subordinado? Não foi citado pelo professor Igor, o que gera mais ignorância.
    Por fim, EU ACUSO todos os professores mau-caráteres de também serem responsáveis pela morte do Professor Kássio.
    EU ACUSO todas as pessoas detentoras de autoridade que cometeram abusos e injustiças, e até de se omitirem ("Para o triunfo do mal, basta que os homens de bem nada façam.", Edmund Burke).
    EU ACUSO o mau-corporativismo exercido apenas para defender maus profissionais de serem punidos, de forma mesquinha e politiqueira.
    Por fim, peço que antes de se tomar partido de qualquer opinião declarada, inclusive a minha, devemos conhecer mais de uma versão dos fatos, sem nenhum corte. Reflitamos sobre isto.

    Abraços!
    Alessandro Mathera.

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  3. "...sem nenhum corte."

    Escolha infeliz de palavras.

    Não podemos regredir à palmatória nem o terror do professor Ser Supremo da sala de aula, mas não podemos permitir escárnio desde as séries básicas doa alunos que "eu pago eu posso" vão no futuro esfaquear professorem nas faculdades.

    Para podermos, sequer, iniciar uma discursão saudável e reqistrar um plano de futuro para a educação neste país, no minimo precisamos reverter a situação atual de liberdade/libertinagem/anarquia a uma condição aceitável. E o aceitável está ainda muito distante da realidade das escolas particulares e principalmente das públicas de ensino médio.

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