Aforismos, sofistas e o futuro

Enviada em: domingo, 20 de março de 2011 18:21
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Assunto: você sabe o que é um aforismo?

"O aforismo, a sentença, nos quais pela primeira vez sou mestre entre os alemães, são formas de «eternidade»: a minha ambição é dizer em dez frases o que outro qualquer diz num livro, o que outro qualquer «não» diz nem num livro inteiro....(Friedrich Nietzsche)
O AFORISMO USADO NA FILOSOFIA
No grego há duas palavras muito semelhantes: aphórisma, atos, que significa posto à parte, e aphorismós, que, entre outras definições tem a definição de curto. Foi neste sentido que a palavra aforismo entrou para o vocabulário médico em um dos livros mais conhecidos e traduzidos da história da medicina: Os Aforismos, de Hipócrates. Ao todo são 413 sentenças agrupadas em 7 seções, resumindo todos os conhecimentos da medicina empírica da época.
O primeiro dos aforismos hipocráticos é, talvez, a melhor definição da arte médica de todos os tempos, jamais superada: A vida é breve, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamento difícil.
A análise linguística dos aforismos pode revelar certas estratégias lexicais, sintáticas e semânticas. Assim, para além do conteúdo, deve-se ter em conta a forma de expressão, normalmente curta e concisa. Tem habitualmente sentido figurado e grande expressividade estilística. A sua função pragmática é fundamental. A forma lacônica, de expressão curta, e a natureza de máximo apuramento dos aforismos propicia uma grande condensação de potencialidades significativas, apresentando assim um código de prescrições sociais para a interpretação da realidade.
O uso frequente a palavras polissêmicas, sinônimos, antônimos, perguntas retóricas, torna-o um instrumento clássico do poder do discurso. Pode aparecer como afirmação política, filosófica, moral, apresentando um ideal de sabedoria.
O aforismo é um gênero particularmente atraente: são escritos breves, às vezes frases fulgurantes, brilhantes, de efeito com expressões felizes.

A SOFISTICA
Depois que os gregos venceram os persas houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as vezes que o povo sente a sua força. O domínio pessoal, nesse regime, dependia da capacidade de conquistar o povo pela persuasão, nesse contexto a oratória ganhou muita importância, surgiram então os SOFISTAS, que visando conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloquência, de retórica, ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo. Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da sofística foi a segunda metade do século V a.C.. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica. Protágoras foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.
O aforismo, nesse sentido, pode ser comparado ao ensinamento sofístico, porque o aforismo é como uma flor cortada, arrancada; ou seja, elimina-se a justificação o aforismo não se justifica: o aforismo se formula, faz seu efeito, frequentemente é refulgente, excitante...mas em última análise não se justifica, por isso deve ser rejeitado pela filosofia já que esta tem como essência justamente a justificação do pensamento.

Comentários de um leigo

Conceituar é algo extremamente importante para que possamos expressar nossas ideias, por isso gosto de dicionários, entre outras coisas. Os gregos não tinham dicionários no sentido clássico da palavra, mas aqueles que registraram suas ideias introduziram em seus “livros” (algo muito diferente do que nossa lei do livro estabelece (Livros)) questões de semântica e de lógicas extremamente interessantes. Isso tudo viabilizou a Ciência em geral e deu bases à Filosofia, com profissionais ou não.
Entre Friedrich Nietzsche e os gregos do primeiro milênio antes de Cristo, na região e na época em que viveram, existiu um mundo de gente que avançou, regrediu, tergiversou (principalmente por medo dos poderosos ou simplesmente na destruição de seus livros (Giordano Bruno, 1973)) ou simplesmente forjou “verdades”, alguns tornando-se famosos, principalmente quando agradaram multidões e chefes.
É interessante ver essas considerações, que o CL Joel Lobo nos enviou, e pensar nas discussões que tivemos em diversos cargos gerenciais, quando dizíamos a nossos “colaboradores” que as três frases mais poderosas do mundo eram, simplesmente: (1) sim, (2) não e (3) não sei. Obviamente isso não tem muito a ver com aforismos, mas juntando a arte de administrar e a de filosofar, temos frequentemente o desafio de seguir um modelo espartano ou ateniense.
Nossos teoremas contêm hipóteses, teses, demonstrações e conclusões, e o teorema é, talvez, a melhor forma de se poder afirmar qualquer coisa, sem esquecer que as hipóteses podem estar erradas.
Das origens, passando por séculos de violências, sectarismos, gente arrogante ou humilde, chegamos aos nossos tempos.
Precisamos de aforismos, pois sobre eles iremos construir edifícios comportamentais e crenças filosóficas, políticas, profissionais, técnicas etc.. Na simplicidade do mundo moderno em que a concisão é importante, afinal precisamos decidir, agir, sobreviver, simplificamos muito, às vezes demais em cenários que demandariam tempo (A vida do Espírito, 2009), reflexões e prudência.
Temos exemplos dos casos extremos. Os japoneses diante de uma usina nuclear em condições extremas de risco de explosão atômica (Usina de Fukushima) precisam tomar atitudes talvez mal pensadas, mas absolutamente necessárias, pois não têm tempo para criar manuais de intervenção nessas condições.
Na outra ponta da maneira de agir existe a política, a democracia, a liberdade e a responsabilidade que cobram de todos nós reflexões profundas sobre o cenário político e possibilidades de mudanças positivas.
Graças à evolução dos meios de comunicação, de processamento de dados e fatos, de coisas tão fantásticas quando os blogs, o youtube, os e-mails, as redes sociais etc. mais as máquinas de fotografar, filmar e coisas assim, modernas e tremendamente eficazes (imaginem o futuro...), podemos aprofundar discussões, refazer aforismos (se necessário) e redesenhar verdades.
Por mais sagradas que sejam as verdades, a dúvida é superior, necessária e fundamental à nossa existência.
Viva Sócrates!
Joel, grato pelo envio de sua contribuição, remetida por seu amigo (gb) via internet.
Ela é tão importante que vou colocar no blog que imaginei para esse tipo de discussão, sempre lembrando que precisamos aprender com o passado, pensar e agir com os recursos que temos atualmente e construir um futuro melhor.
Um grande abraço

Cascaes
21.3.2011

Comentários

  1. Prezado Cascaes, parabéns pelo comentário, sútil aforismático e profundo. Debrucei-me sobre o parágrafo onde você menciona que "Por mais sagradas que sejam as verdades, a dúvida é superior, necessária e fundamental à nossa existência.", ao lê-lo não pude deixar de pensar no fundador do pensamento moderno, Rene Descartes.
    Se é correto pensarmos que a filosofia tem como ambição conhecer a totalidade de tudo o que diz respeito ao homem e ao mundo, então, podemos afirmar que no caso do pensamento moderno, a atitude que desencadeia todo esse processo de compreensão totalizadora e de renovação do pensar e do agir pode ser chamada de HUMANISMO no seu sentido mais abrangente. O caráter central dessa posição originaria, deve nos propiciar os meios para comentar aspectos marcantes das intenções e dos rumos da modernidade.
    René Descartes (1596-1650), reinaugura o pensamento no século XVII, através da DUVIDA HIPERBOLICA, o cógito e finalmente ao fundamento de todas as ciências através do uso da Razão. A intenção do filósofo não foi apenas renovar o conhecimento humano, ajustando por exemplo os saberes "sagrados" da SCIENTIA já vigentes na sua época, e, estabelecidos anteriormente por Bacon ou Galileu. Descartes também não pretendeu apenas rearticular certas condições racionais da ação ou um certo modo de agir moralmente, ele pretendeu muito mais do que isso, a base sobre a qual se assenta a sua filosifia tem uma amplitude muito maior ou seja a UNIDADE DA RAZÃO. Essa é uma nova visão que deve servir para todas as dimensões da existência.

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  2. Genial! Falar sobre Aforismos em tempos como o nosso é no mínimo pertinente para quem se incomoda em ver os discursos no plenário.
    Gostei muito dos texto. Assim que possível contribuirei mais.
    Um abração Cascaes!

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