O gigante e o pigmeu

O gigante e o pigmeu

Hélio Duque



Gigante pela redemocratização do Brasil, Ulisses Guimarães fez com os companheiros entrincheirados no MDB e no PMDB, a coragem e perigosa travessia do deserto da ditadura. Tempo de ferro e fogo com perseguições de toda sorte, não se intimidava em apontar, como dizia, o amanhã da plenitude democrática. Morreu há 18 anos e tem o mar como sepultura, coroando com originalidade a odisséia da sua vida.

Não pode responder à agressão do pigmeu José Sarney, em livro, apresentado como biografia autorizada, recém lançado pela jornalista Regina Echeverria. Nele Sarney afirma: “Ulisses foi o grande entrave. Não tem grandeza nem espírito público. É um político menor, que tem gosto da arte política, puro gosto de jogo, nada mais. É o responsável pela situação que vivemos.” Atacar um morto com falsidades é exemplo de covardia e déficit de caráter. Extensivo ao PMDB de Michel Temer, conglomerado patrimonialista que renegou a sua história para ser o que é hoje. Onde oportunismo, fisiologismo e a negação dos valores nobres e decentes, são cultivados. Incapaz de repudiar a aleivosia.

Ulisses não poderia ter vivido para ver o que fizeram com o partido que foi símbolo do amor à justiça, à família dos perseguidos e exilados, dos desaparecidos nos porões das prisões ilegais, em um tempo onde lutar por liberdade era subversão. Tempo em que José Sarney se ajoelhava aos pés dos generais. Presidindo a Arena e o PDS, partidos serviçais e que eram o eco da ditadura. No presente, não contente em ser o proprietário do Maranhão e da capitania do Amapá, adonou-se do PMDB e se acha investido do direito de denegrir a valente figura de Ulisses Guimarães. Além de colega de parlamento, fui seu vice-presidente no PMDB. Divergia muitas vezes sobre estratégias política, mas sempre acatando os seus conselhos e ensinamentos. Não poderia nessa hora quando é aviltado, silenciar. Como dizia: “o poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder.” Será sempre um personagem inesquecível na história política brasileira, quando se falar da liberdade.

Já Sarney, em decorrência de uma infecção hospitalar conseguiu assumir a Presidência da República, desonrando até um verso da contada de S.Francisco de Assis, reduzindo-o ao “é dando que se recebe”. Para Ulisses: “na senha dos mercadores, na linguagem da pilhagem, no dístico dos traficantes de despojos.” A sua verdadeira biografia é outra. Tem no jornalista Palmério Dória, seu autor: “Honoráveis Bandidos”, em décima edição. Nele transcreve parte do anedotário maranhense, quando dois do povo conversam: “Qual a pior coisa do Maranhão? “A família Sarney”. “Qual a melhor coisa do Maranhão? “Ser da família Sarney”.

A admiração que respeitáveis brasileiros tem pelo personagem injuriado está no tratamento sempre usado de “dr.Ulisses”, inclusive por notáveis jornalistas brasileiros.
Já autor da ignomínia, o tratamento é diferenciado. Recorrerei a alguma deles. Para Sebastião Nery: “Sarney é múltiplo. No Senado, um lorde. Na Academia, um príncipe. No Diário Oficial, um roedor. No Maranhão, um coronel. No Amapá, um sátrapa”. Na revista “Veja”, Augusto Nunes: “Sarney é político sem luz, orador bisonho, poeta menor e escritor medíocre”. Na saudosa “Tribuna da Imprensa”, Hélio Fernandes: “José Sarney foi um dos piores presidentes da República que o Brasil suportou. Provinciano e medíocre instaurou no Maranhão uma das mais implacáveis e reacionárias oligarquias já vistas, condenando sua terra e sua gente a condições de miserabilidade, analfabetismo e atraso econômico e social dignas de um soba africano.”

Hoje morto, mas vivo na consciência dos brasileiros, há 20 anos, Ulisses expressou pensamento que vale como resposta ao nauseabundo:”Política não se faz com ódio, pois não é função hepática. É filha da consciência, irmã do caráter, hóspede do coração. Eventualmente, pode até ser açoitada pela mesma cólera com que Jesus Cristo, o político da Paz e da Justiça, expulsou os vendilhões do Templo. Nunca com a raiva dos invejosos, maledicentos, frustrados ou ressentidos.”




Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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